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Solidariedade a Mirtes Santana, mãe do menino Miguel Otávio, e toda sua família. Exigimos justiça!

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Viemos trazer um apelo por solidariedade para que toda a sociedade sinta, neste momento, a dor da morte de mais uma vítima deste sistema racista, patriarcal e capitalista em que vivemos. Um apelo para que todas e todos se mobilizem para mover estas estruturas que ainda nos causam feridas sociais e ceifam vidas negras das mais diversas formas.

Transformaremos a dor em luta! Dedicamos esta carta ao Miguel, a Mirtes e toda sua família.

 

Miguel, agora de manhã me imaginei sentada ao teu lado para conversar.

Pensei em perguntar o que te levava ao nono andar, como você se sentia. Mas percebi que a pergunta não faz sentido agora, não é?… Miguel, eu sei que não foi assim, mas eu ficaria contigo abraçada até tua mãe voltar e conheço muita gente que faria o mesmo. Que dor, Miguel!

Desculpa.

Eu vou sentar do seu lado e te ajudar a perguntar pra todo mundo porque sua mãe estava trabalhando. Por que as pessoas não podem limpar o que sujam? Por que não podem cuidar dos seus cachorros? Por que as unhas delas não podem ficar por fazer durante uma pandemia?

Por que a sua mãe, Mirtes Renata, estava trabalhando? Por que uma trabalhadora doméstica não pode ficar em casa com seus direitos resguardados? Cuidar de si e de seus filhos tranquila?

Por que essas pessoas brancas de dinheiro não podem pagar por um serviço que já estava em seu orçamento mesmo sem recebê-lo? Afinal de contas, estamos vivendo ou não uma pandemia?

No Recife, o trabalho da empregada doméstica não é considerado serviço essencial assim como em outros estados e cidades do Brasil.

Por que ela estava trabalhando, Miguel? Por que vocês estavam ali?

Essa pandemia é de quê? Dizem que é de covid-19, mas pra nós tem sido muito mais que isso: tem sido também o recrudescimento do sistema capitalista, patriarcal e racista, avanço do fascismo e desvalorização da vida. Da vida de quem já não tem tanto valor para o Estado, para a elite branca racista. Desvalorização da vida de quem move as engrenagens desse país mesmo que tentem negar isso há quinhentos anos.

Tua morte não é um caso isolado, Miguel. E nem mais um dos tantos casos.

Tua vida, tua história, teu amor… O amor dos teus. Tu és gente, Miguel, mesmo que eles neguem.

Em Belém, o serviço de empregada doméstica era considerado “essencial”. A trabalhadora Socorro Freitas morreu de Covid-19, aos 47 anos, no dia 5 de maio. Das quatro famílias para quem ela fazia faxina, apenas uma manteve o pagamento sem ela ter que comparecer ao local. Socorro foi trabalhar. Beatriz Launé, sua filha, perdeu mãe e pai em apenas um final de semana.

Você caiu do nono andar de um prédio de luxo que representa uma das afrontas ao direito à cidade no Recife. Mas já estava exposto à Covid-19 muito antes. Assim como a família de Socorro, a sua também estava exposta.

Caiu das “Torres Gêmeas”. Foi pra isso que privatizaram o espaço, a vista e tudo mais?

A primeira vítima da covid-19 no Rio de Janeiro foi uma empregada doméstica que contraiu o vírus por meio da patroa recém-chegada de viagem à Itália. Cleonice tinha 63 anos, era hipertensa e diabética… A patroa esperava o resultado do exame para saber se estava contaminada. Cleonice continuava a trabalhar. Faleceu um dia após ser socorrida, no dia 17 de março.

O nome da patroa da sua mãe não foi divulgado na imprensa de primeira, Miguel, mesmo ela tendo sido presa em flagrante por homicídio culposo. Mas o mesmo não aconteceria contigo e com os teus.

Jovens pretos e pobres têm seus rostos e nomes expostos na mídia quando são suspeitos de cometer crimes. Mães pretas e pobres chorando na porta do IML significam um banquete para grande parte da imprensa que só vê o negro como pauta quando a questão é policial e ele é “réu”.

Miguel… Não foi só uma pessoa que deixou de te cuidar. Foi toda a sociedade! Foi o Estado!

Tua mãe, teu pai, tua família. Vocês sozinhos se cuidando.

Teu amor, Miguel. Tua história. O amor dos teus.

Tem gente que não sabe o que é isso, Miguel.

Essa gente, essa sociedade não cuidou de ti. Reclamou da PEC das Domésticas, reclamou da Lei de Cotas. Não aceita que gente como tu possas entrar numa universidade pública, não quer que a tua mãe saia da área de serviço. E acaba por te matar de diversas maneiras.

Desculpa, Miguel…

Que dor!

A tua morte deveria ter sido evitada. Fostes empurrado pelo racismo. Por toda uma elite que se entende como soberana, que tem desprezo pela negritude, que sabe que pode fazer qualquer coisa sem ser responsabilizada por isso.

A fiança foi paga. Vinte mil reais. Quanto custa a tua morte? A vida de crianças negras tem valor?

Clamamos justiça preta! A justiça branca precifica a vida de uma criança. A patroa de tua mãe, Sari Mariana Gaspar Corte Real, não pode continuar impune. Dormindo com a consciência tranquila enquanto uma família preta sofre a dor eterna de não te ter, Miguel.

Tua morte é o escândalo do que estamos vivendo diariamente, um projeto de extermínio dos nossos, do nosso povo, pela violação dos nossos direitos e pelas armas apontadas para nós.

Seguiremos exigindo justiça para que nada seja em vão! Só a luta, a organização, a auto-organização construirão a força necessária para fazer ruir esse mundo racista, capitalista e patriarcal. Só assim construiremos um mundo novo, alicerçado sob os interesses da nossa classe trabalhadora. Um novo mundo solidário e justo.

04 de junho de 2020

Marcha Mundial das Mulheres de Pernambuco

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