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Nota da Marcha Mundial das Mulheres ABC sobre a discussão de gênero nas escolas de São Bernardo do Campo

Historicamente, as mulheres lutaram muito para conquistar mais direitos sociais. O fim da violência sexista, o direito ao voto, a ocupação do espaço público, conquista de direitos reprodutivos, trabalhistas e de políticas públicas direcionadas exclusivamente às mulheres, são exemplos de algumas reivindicações que nós temos travado ao longo de todos esses anos, e que já renderam muitos frutos.

O movimento feminista tem avançado muito no mundo e suas lutas terem proporcionado melhorias concretas para a vidas das mulheres, mas ainda enfrenta-se resistências a estes avanços, pois a igualdade entre homens e mulheres parece não ser o desejo de alguns. Um exemplo deste tipo de postura conservadora se configurou no debate sobre o tema gênero nas escolas, primeiro discutido no Plano Nacional de Educação (PNE), depois nos Planos Municipais (PMEs) e Estaduais (PEEs) no último ano – debate que a Marcha Mundial das Mulheres acompanhou de perto em várias cidades do país.

Enquanto no PNE e na maioria dos PMEs o debate de gênero foi vetado, houve aprovação de menções à igualdade de gênero em 13 dos 22 estados que sancionaram seus Planos.

Em São Bernardo do Campo, ainda em 2015, nós do Núcleo ABC da Marcha Mundial das Mulheres acompanhamos abismadas a promoção, na Câmara Municipal de SBC, de uma “palestra sobre ideologia de gênero” convidando um Bispo para proferi-la. A atividade não apenas propagou confusão e distorções sobre o que estava de fato em discussão na proposta de incluir gênero nos currículos escolares, mas difundiu intolerância e ameaças às pessoas que simpatizassem ao tema como se fossem “desalmadas”, como se quem defende direitos das mulheres não tivesse família, valores e moral. Foi um espaço de propagação da desigualdade entre homens e mulheres e não houve a mesma abertura para movimentos feministas ou outros movimentos democráticos que lutam por melhorias na educação, que foram silenciados.

Lamentavelmente, o ano de 2016 se iniciou com o alinhamento do prefeito Luiz Marinho, de São Bernardo do Campo, a esta perspectiva de negação do debate sobre igualdade de gênero, isto é, de uma educação que contemple o importantíssimo tema da não discriminação entre os sexos e respeito à diversidade. Sua postura em relação à inserção da discussão sobre gênero no Plano Municipal de Educação da cidade é muito preocupante, pois se compromete, com base nas concepções confusas e distorcidas sobre uma suposta “ideologia de gênero”, em barrar a inclusão do tema gênero nos currículos escolares não somente das escolas municipais, mas nas de todas as escolas da cidade.

A proibição no PME do que o prefeito chama de “ideologia de gênero” – termo criado pelos conservadores, inexistente nos debates acadêmicos nem nos dos movimentos feministas sobre o tema – reflete que o prefeito, além de não acompanhar os avanços na discussão sobre gênero no Brasil, ainda usa um termo cunhado por pessoas que estão na defesa de todos os retrocessos que ameaçam a democracia do nosso país.

O debate sobre gênero, isto é, sobre uma educação não sexista e anti-discriminatória, é muito importante, uma medida de aumento na qualidade da educação, e negá-lo enquanto gestor de uma cidade não é simplesmente manifestar uma opinião da qual discordamos, mas é desrespeitar leis e recomendações internacionais que o país adota, a exemplo da Lei Maria da Penha, que prevê em seu 8º artigo que estejam presentes nos currículos escolares todos os níveis de ensino “conteúdos relativos aos direitos humanos, à equidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher”. Em um país que está na 5ª posição em assassinatos de mulheres em geral por seus próprios companheiros, num ranking de oitenta países, num país no qual as mulheres ainda recebem salários 30% inferiores aos dos homens, como recusar-se a prevenir a violência e a promover a igualdade de oportunidades por meio do importante instrumento que é a educação?

Ainda por cima, Marinho utiliza a pauta para externar sua concepção limitada sobre família. Ignora que “defender a família” teria que significar defender os diversos modelos de família existentes no país e desrespeita assim não somente a legislação brasileira, que já admite o casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas também a Constituição Federal que assegura o Estado Laico no Brasil (que deve respeitar a diversidade religiosa e a não crença, mas não pode favorecer valores nenhuma religião em detrimento das demais), uma vez que sempre utiliza argumentos religiosos para justificar sua posição conservadora.

Vale enfatizar que embora o vídeo de Marinho veiculado em janeiro deste ano se tratassse de “resposta” a boatos e ataques da direita da cidade – que espalhou vídeos, panfletos e cartilhas distorcendo suas posições sobre o tema e criando um clima de verdadeiro terrorismo social sobre o assunto – isso, em nosso entendimento, não justifica que o prefeito responda a seus difamadores com base em argumentos também infundados, confusos e que desrespeitam os direitos assegurados das mulheres, da população lgbt e a própria luta por uma sociedade mais democrática, da qual ele historicamente fez parte.

Por estas razões, nós, do Núcleo ABC da Marcha Mundial das Mulheres, declaramos por meio desta nota nossa total discordância e repúdio à declaração do prefeito, que vem na contramão de todos os avanços conquistados pelo movimento feminista e da nossa concepção de educação, que preza pela igualdade entre homens e mulheres, pelo direito às meninas e mulheres viverem uma vida sem violências, pela diversidade e pelo fim das diversas formas de opressão. Que tenham o direito a aprender isso nos currículos escolares, pois sim, respeito se aprende na escola!

O movimento feminista, junto com os demais movimentos sociais organizados, continuará em luta para que o projeto do prefeito na Câmara Municipal assegure o debate de gênero, para que as escolas do município prezem pela desconstrução dos preconceitos que geram violências e sofrimento e que a educação das crianças e adolescentes do munícipio se paute pelos valores da igualdade e da não discriminação.

Marcha Mundial das Mulheres – Núcleo ABC

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